“O luto não tem um tempo determinado para o seu fim, sua duração corresponde ao tempo que nossa psique leva para assimilar a ausência e integrar a saudade” (Nazaré Jacobucci)
Uma das perguntas mais comuns que nós especialistas em luto recebemos ´é – quando termina o luto? O luto tem um prazo determinado para acabar? No entanto, para essa pergunta não há uma resposta pronta. Para respondê-la precisamos ponderar diversos pontos relativos à perda e ao vínculo afetivo que a envolve. É necessário avaliar, inclusive, as perdas secundárias, que podem ser muito significativas.
Quando perdemos um ente querido, seja um familiar ou um amigo, num primeiro momento nos sentimos vazios, tristes, angustiados, e nos é difícil até mesmo nomear essa dor. Segundo Machado Jr. (2018), a dor é um ponto cego, uma suspensão, uma bagunça que perturba o senso de realidade. É uma ruptura no tempo, um “claque” que estala em algum lugar dentro de nós. Cadê? Onde está? O que houve? Sim, pode-se dizer, é evidente, a pessoa se foi, e isso é triste. Morreu, e é fato. Mas nem tudo ou quase nada se encaixa. A dor é uma agitação estranha, uma névoa que nos envolve, uma ponta de espinho que toca fundo em um ponto minúsculo, pequenininho mesmo, que pesa de forma mortificante. No entanto, a intensidade dessa dor singular descrita por Machado, que nos desorganiza dependerá muito do tipo de vínculo afetivo que tínhamos com essa pessoa, qual era o significado desse ser em nossa vida, e as circunstâncias da morte.
Compreender a realidade da morte, consequentemente da perda da presença, é uma tarefa complexa e requer tempo. É nesse tempo, que é diferente para cada indivíduo, que um processo de luto acontecerá. Fazendo um paralelo com a mitologia grega, o tempo do luto é o tempo de Kairós. Os gregos antigos possuíam três conceitos para representar o tempo: Chronos, Kairós e Aíôn (o tempo sagrado, eterno e imensurável). O tempo de Chronos é o tempo medido pelo relógio, pelo calendário, pela rotina cotidiana. Ele é um limitador para a quantidade de atividades realizadas habitualmente. O tempo de Kairós é a forma qualitativa e pessoal do tempo, ele representa o tempo que não pode ser controlado cronologicamente, por isso ele pode não acompanhar o tempo de Chronos. Neste sentido, é no tempo de Kairós que atravessaremos o processo de luto, tempo esse absolutamente necessário para nos reorganizarmos perante a vida novamente.

Recentemente eu, juntamente com Dra. Gabriela Casellato, uma mestra em perdas e luto, participamos de um Simpósio idealizado e organizado pela Universidade Vale do Rio Verde – Três Corações, no qual falamos sobre morte e luto na pandemia. Inevitavelmente essa pergunta sobre o tempo do luto surgiu entre os alunos. Vejamos nossos pontos de vista sobre o tema.
Na minha experiência clínica, eu observo que quando uma morte acontece dentro de um determinado padrão esperado de acontecimentos, o processo de luto, na maioria das vezes, se dará de uma forma natural. Deste modo, desde 2016 que não uso mais a terminologia “luto normal”. Eu a troquei por “luto natural”, por entender que a morte é um fenômeno natural que faz parte do desenvolvimento humano. Agora, como disse Dra. Gabriela, não podemos colocar o processo de luto em “caixinhas” pré-determinadas de tempo, pois por ser um processo absolutamente individual não podemos determinar o tempo, é impossível. Um exemplo clássico são de pais que perdem seus filhos num acidente ou por suicídio. Talvez eles demorem anos para assimilarem essa perda e isso não significa que eles estejam vivenciando um luto complicado. Às vezes, um processo prolongado de luto significa apenas que a pessoa está atravessando o tempo de Kairós com os recursos internos que possui, e isso é de uma singularidade ímpar.
A experiência de atravessar um processo de luto exigirá um trabalho psíquico que, às vezes, pode ser complexo e árduo. Esse atravessamento é muito importante. É preciso experienciar esse “inverno” que abate a alma, para voltarmos a caminhar pela vida novamente. Observa-se progresso no processo de luto quando a pessoa é capaz de pensar sobre a sua perda sem a mesma intensidade de dor que foi previamente experienciada. Este progresso é constituído de pequenos passos que levam a pessoa a estar cada vez mais engajada nas atividades da vida cotidiana, o que leva ao seu bem estar psicoemocional.
Penso que o importante seja acolher e dar tempo à sua dor. Permitir-se caminhar pelo processo de luto no tempo de Kairós, mesmo que a sociedade te submeta a todo momento ao tempo de Chronos. O tempo de Kairós nos permite ter, após uma perda significativa, uma compreensão mais intensa sobre o morrer, a morte e o sentido do viver.

Psic. Mestre em Cuidados Paliativos
Psic. Especialista em Perdas e Luto
Especialista em Psicologia Hospitalar
Psychotherapist Member of British Psychological Society (MBPsS/GBC)
Blog Perdas e Luto
Autora do Livro: Legado Digital: Conhecimento, Decisão e Significado – Viver, Morrer e Enlutar na Era Digital
Referências:
Maesso, M. C. O tempo do luto e o discurso do Outro. Ágora (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 337-355, Aug. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982017000200337&lng=en&nrm=iso.
Machado Jr., P. P. A ruptura do tempo na experiência do luto:: um aprendizado. Jornal de Psicanalise, São Paulo, v. 51, n. 95, p. 273-284, dez. 2018 . Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-58352018000200022&lng=pt&nrm=iso.
Nossa que interessante!
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Gratidão por compartilhar seu conhecimento! 🙏🏽❤️
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Muito importante esse tema e enriquecedor. Perdi o meu esposo a exatos 30 dias (cancer)e o interessante é que nos primeiros dias eu estava calma. Agora sinto um vazio enorme, uma saudade imensa. Uma sensação de que sou apenas uma metade de mim. Mais essa leitura me esclareceu e fortaleceu acerca do tempo. Um abraço.
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Olá Alessandra! Sinto muito pela sua perda, meus sentimentos. Fico lisonjeada em saber que esta leitura te ajudou. Abs, Nazaré Jacobucci
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Alessandra, perdi meu esposo vai completar 2 anos. A saudade só aumenta. A dor vai ficando mais suportável com o tempo mas essa sensação de que falta um pedaço de mim não passa. A vida segue e vamos sendo levadas por ela mas sempre com um vazio. É assim que me sinto. Força pra vc.
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Obrigada, gostei muito do tema abordado, meu marido faleceu vai completar 5 anos e não consigo esquecer dele, acordo pensando e durmo pensando nele, mas parece que cada dia esta ficando pior , li o seu texto que fala que o luto não tem tempo para ter um fim e eu acho que 5 anos já é tempo demais.
Aos poucos estou afastando das pessoas por não falar e as pessoas não entenderem e acho que não são obrigadas a ouvir o mesmo assunto, mas eu tenho necessidade de falar , lembro de coisas que vivemos todos os dias.
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Olá Silvana! Sinto muito pela sua perda, meus sentimentos. Apesar de não determinarmos um tempo para o luto, de fato 5 anos é um tempo considerável para a retomada da vida sem o ente querido que morreu. Penso que você se beneficiaria imenso de um processo psicoterapêutico onde, num espaço apropriado, pudesse falar sobre os aspectos importantes dessa perda. Expressar a dor, a tristeza e a angústia pode ser um ótimo caminho para encontrar num novo sentido no viver. Abs, Nazaré Jacobucci
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Obrigada por compartilhar com as pessoas meios de lidar e respeitar seu luto, perdi meu irmão caçula há 7 meses, seu blog me ajudou a compreender que precisamos respeitar nossa dor sem seguir padrões ou regras, apenas ser pacientes para enfim seguir a diante.
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Olá Suelem! Sinto muito pela sua perda, meus sentimentos. E fico muito lisonjeada em saber que este blog tem lhe ajudado a passar pelo processo de luto com mais leveza. Abs, Nazaré Jacobucci
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Sempre esclarecedores na mesma proporção que acolhedores os seus escritos. Gratidão!
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Olá Daniely! Muito obrigada pelo gentil comentário. Abs, Nazaré Jacobucci
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Passei por perdas muito tristes claro e, difícil em me conformar. Minha filha levou-me ao especialista e, disse-me que 06 meses era o prazo dentro da normalidade. Pós esse prazo viraria um caso patológico… abraço com carinho ❤…Valkiria Barbieri Artiolli do Brasil…
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Olá, Valkiria! Sinto muito por suas perdas, meus sentimentos. Não há prazo para o luto “terminar” a ideia de 6 meses não representa a realidade de uma pessoa enlutada. Por isso, tome o tempo que for necessário para você processar a experiência do luto. O tempo quem determina é você. Abs, Nazaré Jacobucci
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