Despedir-se: A difícil arte de dizer “Adeus”

“A vida me ensinou…
A dizer adeus às pessoas que amo, sem tira-las do meu coração” (Charles Chaplin)

No final de 2017, como faço todos os anos, eu tirei um tempo para relembrar e refletir sobre todas as perdas que sofri ao longo do ano. Não foram poucas. Infelizmente, por uma questão geográfica, eu não pude me despedir de pessoas tão queridas.

Poder despedir-se de quem amamos é de uma magnitude que está na categoria do indizível. Contudo, hoje as pessoas têm medo de dizer “adeus”. Muitas pensam que essa atitude pode atrair a morte mais rápido e, por conta desse medo, perdem a oportunidade de dar aquele abraço único que ficará para sempre na memória. Outras preferem acreditar que aquela intervenção milagrosa feita na UTI terá o poder de reanimar seu ente querido e elas terão a chance de se despedir mais tarde. Eu estava justamente pensando sobre o porquê de as pessoas ficarem tão bravas comigo quando eu as questiono sobre – “você já se despediu do seu ente querido?” – parece que estou fazendo uma pergunta ofensiva. Claro, que esta pergunta só deve ser feita num contexto específico e com muita delicadeza.  Então me deparei com o texto abaixo, escrito pelo Psiquiatra Marcelo Feijó de Mello, que me autorizou a compartilhá-lo na íntegra, que nos mostra que precisamos reaprender a nos despedir.

“Despedidas”
Texto escrito por: Prof. Dr. Marcelo Feijó de Mello

O tempo nos ensina. No quesito despedidas, posso dizer que tenho certa expertise. Adeus, quero dizer daqueles que nos importam, pessoas próximas, se posso dizer algo sobre isto, é que o melhor seria poder nos despedir de pessoas que amamos. Muitas vezes brigamos, ficamos de mal e passamos meses sem dizer o que realmente sentimos. Sinto não ter tido a oportunidade de dizer muitas coisas a minha mãe, que tão cedo partiu, mas aprendi, com meu pai foi diferente. A morte nos aproxima, é momento de profunda humanidade, que confirma o quanto precisamos uns aos outros. Sozinhos não existimos, deveríamos morrer sempre com nossos amados.

Posso afirmar que estamos enganados, ao pedirmos que a morte nos leve rápido e sem aviso. Outrora esta era uma morte feia, sem despedida. Morrer pode ser visto como uma passagem, pois a morte é física, e para alguns nos levará ao além. A morte boa, sempre foi pública, e quando pressentida, aqueles que sabiam que estavam de partida queriam dividir este momento com os seus. Para as religiões existe uma continuidade além da vida. No início para o Cristianismo somente os bons voltariam no fim dos tempos, muito depois, a Igreja passou a falar do juízo final, quando os ruins seriam condenados para o inferno. Penso, que isto foi ruim para os ocidentais, porque passamos a ter medo da morte, nos apegamos muito à vida. A morte saiu do momento final, quando pressentida, e passamos teme-la durante o decorrer das nossas vidas.

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O medo nos calou, não falamos sobre a morte, passamos a falar no infinito ou no pós-morte. Morte virou palavra proibida. A negação, contudo, é inútil, pois a morte é inevitável. Não que ninguém temia a morte, ao contrário, sempre foi temida, mas antes de tudo respeitada. Na passagem do cortejo fúnebre, todos paravam, tiravam os chapéus, se benziam e os sinos tocavam. Hoje não existem mais cortejos, tudo é feito para que tivéssemos a ilusão de que ludibriaríamos a morte. Hoje resta o silêncio, a morte é incomoda e suja. Não queremos nem ouvir falar da morte, desconversamos o desenganado, confiamos nos médicos e enfermeiros, para sempre tentarem novos tratamentos, mesmo quando não há mais esperanças. Pedimos o isolamento nas UTIs no momento final. Não queremos dar adeus, pois a despedida é triste e sofrida, para os que ficam e para aquele que vai.

O silêncio, contudo, é cruel, calam nossas palavras, daquilo que sentimos e queremos dizer para as pessoas que amamos. O silêncio nos tira o beijo de adeus, o olhar de cumplicidade, o apertar de mãos, o silêncio nos custará sentimentos encruados em nossos peitos. Quantas coisas eu queria ter dito e perguntado a minha mãe, perdoado, e falar que sabia de sua doença. O silêncio também não é justo com aqueles que estão indo, com muita angústia e medo para o desconhecido. A despedida nos conforta e nos conforma. Precisamos reaprender a nos despedir.

(Publicado em: Facebook do autor em 06.01.18)

Após ler o texto escrito por Marcelo Feijó, eu penso que a sociedade moderna precisa compreender que dizer “adeus” não é deselegante. Despedir-se de quem amamos é um ato de amor para com o outro e para com você mesmo. Por isso, não perca a oportunidade de manifestar todo o seu afeto para com aqueles que estão em processo de morte iminente.

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Psic. Mestre em Cuidados Paliativos
Psic. Especialista em Perdas e Luto
Especialista em Psicologia Hospitalar
Psychotherapist Member of British Psychological Society (MBPsS/GBC)
Blog Perdas e Luto

Autora do Livro: Legado Digital: Conhecimento, Decisão e Significado – Viver, Morrer e Enlutar na Era Digital

Colaboração:
Prof. Dr. Marcelo Feijó de Mello – é atualmente professor adjunto do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP. Graduado em medicina pela Santa Casa de São Paulo, onde foi professor adjunto até 1998. Fez residência em Psiquiatria no hospital do Servidor Público Estadual, onde defendeu mestrado e doutorado. Em 2002 fez novo doutorado em Psiquiatria na UNIFESP e um pós-doutorado em neurociências no departamento de transtornos do humor da Universidade de Brown. Possui vários livros publicados, dentre eles “Transtorno de Estresse Pós-traumático” pela editora Atheneu.

3 comentários sobre “Despedir-se: A difícil arte de dizer “Adeus”

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