Luto Antecipatório: Elaborando e Ressignificando as perdas reais e simbólicas num processo de adoecimento

“A morte para os que ficam convida a um despertar da alma, para viver com mais consciência a vida de agora” (Fragmentos sobre a morte – Dora Incontri)

Para entendermos melhor o processo de luto antecipatório, compartilho na íntegra e com a devida autorização um excelente artigo escrito pela Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco publicado no Instituto Quatro Estações de Psicologia.

“Luto em Cuidados Paliativos”
Artigo escrito por: Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco

As primeiras visões sobre luto mostram um fenômeno entendido como causa potencial de doença física ou mental. É interessante observar como se deu a evolução desse conceito, até os dias atuais, quando definimos o luto como um processo normal e esperado em consequência do rompimento de um vínculo.

Parkes (2001), ao fazer uma revisão histórica sobre o estudo do luto, nos conta que, em 1621, o médico Robert Burton publicou The Anatomy of Melancholie, obra na qual apresenta o pesar como sintoma e causa principal da melancolia ou daquilo que, modernamente, chamamos de depressão clínica. Nos séculos 17 e 18, o luto era considerado causa de morte e prescreviam-se medicações para o chamado luto patológico. Em 1835, Benjamin Rush, médico americano, receitava ópio para enlutados e considerava que aqueles que morriam de problemas cardíacos tinham como causa o que ele chamara de “coração partido”. Parkes (idem) chama ainda a atenção para outros estudos que apontaram importantes diferenças, entre os quais destaca a publicação datada de 1872, de Charles Darwin, The Expression of Emotions in Man and Animals. Nesta obra, Darwin apresenta a evidência de que muitas espécies animais choram quando separadas daqueles aos quais estão vinculadas. Seres humanos enlutados tentam inibir esse choro, mas os músculos do choro são de mais difícil controle do que os demais músculos faciais, daí a aparência característica. Assim sendo, o comportamento de luto está presente nas nossas possibilidades de experiência e de expressão, já a partir de um ponto de vista etológico.

Freud (1917/1953) publicou Luto e Melancolia a partir de suas observações clínicas e considerações durante a I Guerra Mundial. Apontou diferenças e semelhanças entre pesar e melancolia e considerou que o luto como causa de depressão tende a aparecer em relações ambivalentes. Ele cunhou o termo “trabalho de luto”, entendendo que luto requer uma elaboração psicológica. Como suas observações foram feitas em época de guerra, havia muitas razões para identificar sintomas psiquiátricos ou distúrbios pós-traumáticos.

A II Guerra Mundial trouxe um outro cenário. Em 1941, Kardiner publica Traumatic Neuroses of War, obra que traz ao conhecimento as peculiaridades do sofrimento daqueles expostos a situações contínuas de risco de vida, com consequências para a saúde, como um todo. Em 1944, Lindemann descreve uma situação de luto agudo, após incêndio em discoteca. Nesse artigo, ele define o que considerava normal, com destaque para efeitos indesejáveis da repressão do luto. Não reconheceu a importância do luto crônico, mas foi quem primeiro falou sobre luto antecipatório, exatamente a partir da experiência das esposas dos soldados convocados para o campo de batalha. Em 1949, Anderson fala do luto crônico, definido por ele como o distúrbio psiquiátrico mais frequente, além de estados ansiosos e depressão maníaca.

Parkes (1965) estudou pacientes psiquiátricos adultos internados entre 1949 e 1951 e confirmou os padrões de morbidade identificados por Anderson, assim como verificou que o índice de morte do cônjuge nos seis meses anteriores à internação era seis vezes maior do que o encontrado em população não enlutada. Sem dúvida, estes estudos trouxeram uma nova luz às considerações sobre as consequências do luto em populações específicas.

Com este cenário, ter o luto no foco dos interesses significa abordar uma ou várias das questões a seguir. A definição de luto normal e de luto complicado requer uma revisão de posicionamentos tradicionais que estabeleceram fases pelas quais o luto deveria passar, paralelamente à ideia de que o luto implica a transformação radical do vínculo com o morto, de maneira a promover o desligamento do mesmo e a possibilidade de envolver-se em novos vínculos (Bowlby, 1999).

Assim sendo, pode-se estudar o luto a partir de uma distinção entre luto considerado normal e luto complicado. Pode-se trabalhar com predição de risco à saúde mental, em consequência de condições complicadoras do luto. O tipo de atenção oferecida a pessoas enlutadas em diferentes condições e situações (em cuidados paliativos, comparação entre grupos, autoajuda, rituais, arte-terapia e outras técnicas de intervenção) também está no foco do interesse de muitos pesquisadores. O estudo de outras culturas nos leva a uma mudança de paradigma, desde que as diferenças culturais possam ser entendidas e explicadas em suas múltiplas facetas. As diferenças de gênero, bem como as diferenças de idade ou o luto ao longo do ciclo vital, oferecem rico campo de estudo e abrem importantes perspectivas de intervenção.

O que vemos é que estudar o luto não é prerrogativa de um único campo do saber. O fenômeno se presta a diversos olhares, como os da Psiquiatria, da Psicanálise, da Psicologia, da Sociologia, da Antropologia, da Etologia, por exemplo.

Cabe ressaltar um outro lado da questão, a ser considerado. Como apontado acima, a partir da experiência das duas guerras mundiais, estimulados pelas perdas em massa, o tema do luto mostrou-se muito atraente aos pesquisadores. As repercussões emocionais e fisiológicas do luto tornaram-se objeto de pesquisa. De muitas maneiras, a „descoberta‟ que a emoção do luto poderia ser semelhante a uma doença representava um nítido exemplo do futuro da moderna Psicologia. No entanto, a natureza social do luto foi ignorada. Por outro lado, na década de 80 surgiram vários modelos psicológicos de stress, luto e depressão. A visão antropológica da morte e da perda como fenômenos essencialmente sociais contrastava fortemente com os modelos psicológicos de luto, visto como uma experiência individual aberta para a possibilidade de um desenvolvimento patológico. Sendo assim, nós não só morremos de acordo com o modelo médico de doença e morte, como também ficamos enlutados segundo esse mesmo modelo. Fala-se em resultados, sejam eles saudáveis ou patológicos, e os “sintomas” associados ao luto nos deixam com a clara impressão de que o luto é mais uma doença do que uma experiência universal. A patologização do luto é sintoma de sua individualização. Ao colocarmos o pesar associado ao luto no âmbito da mente e do corpo do indivíduo, podemos com maior ênfase acusá-lo por sua própria desgraça pessoal.

A partir dessa descrição do luto como uma doença, com sintomatologia facilmente identificável, os profissionais da saúde passaram a adotar este modelo. Até mesmo entre os leigos disseminou-se a postura de que havia o objetivo de se obter a recuperação do luto. À medida que este campo de estudo se ampliou, foram desenvolvidos novos modelos de luto, como aquele que busca identificar a existência de fases para sua experiência. Mesmo que se busque identificar meios mais humanos de entender o luto, esse modelo de fases ainda encontra respaldo na aceitação da ideia de que existem modos bons e maus de viver o luto. É possível argumentar que, quando buscamos entender por que as pessoas têm diferentes resultados em seu processo de luto, estamos colocando em dúvida o modelo individualizado do luto. Os chamados ´fatores de risco´ que colocam a pessoa em um enquadramento em torno de cada um poderiam ser melhor percebidos pela lente da cultura na qual essa pessoa vive. Uma apreciação da relatividade cultural da emoção também ajuda a explicar as sutis diferenças transculturais na expressão e na experiência da perda e do luto.

Portanto, modelos do luto refletem nossas representações sociais correntes sobre vida e morte e podem, por esse motivo, ser efêmeros, como afirma Graiger (1998).  Como consequência desta visão, o que se verifica é que o luto pode ser entendido e trabalhado a partir de múltiplas referências. Dentre elas, destacamos a experiência de transição psicossocial, experiência de crescimento, doença, crise, fim, experiência simbólica, parte inerente da vida moderna.

Tradicionalmente, o processo de luto foi entendido a partir de suas fases e/ou de suas tarefas. As fases (descritas por Bowlby, 1999) eram:

  • Entorpecimento
  • Busca e saudade
  • Desorganização e desespero
  • Reorganização

As tarefas (descritas por Worden, 1998) eram:

  • Aceitar a realidade da morte
  • Vivenciar o pesar
  • Ajustar-se a um meio no qual o falecido não mais se encontra
  • Retirar energia emocional e reinvesti-la em outra relação

Por se tratar de um fenômeno complexo, foram descritas (Stroebe, Stroebe e Hansson, 1993) cinco dimensões nas reações frequentemente encontradas no luto:

1-Dimensão Intelectual do Luto, marcada por confusão, desorganização, falta de concentração, intelectualização, desorientação, negação.
2-Dimensão Emocional do Luto: choque, entorpecimento, raiva, culpa, alívio, depressão, irritabilidade, solidão, saudades, descrença, tristeza, negação, ansiedade, confusão, medo.
3-Dimensão Física do Luto: alterações no apetite, visão borrada, alterações no sono, inquietação, dispneia, palpitações cardíacas, exaustão, boca seca, perda do interesse sexual, alterações no peso, dor de cabeça, mudanças no funcionamento intestinal, choro.
4-Dimensão Espiritual do Luto: sonhos, impressões, perda da fé, aumento da fé, raiva de Deus, dor espiritual, questionamento de valores, sentir-se traído por Deus, desapontamento com membros da igreja.
5-Dimensão Social do Luto: perda da identidade, isolamento, afastamento, falta de interação, perda da habilidade para se relacionar socialmente.

Quando alguém que amamos morre, não é somente a perda do outro que leva ao sofrimento psicológico e fisiológico que foi meticulosamente estudado por psicólogos e psiquiatras nos últimos 50 anos (Neimeyer, 2001; Parkes, 2006; Rando, 2000; Stroebe e Stroebe, 1987; Stroebe, Stroebe e Hansson, 1993; Stroebe, Hansson, Stroebe e Schut, 2001), mas a perda do self. Reconstruir o novo self leva tempo, à medida que a perda do amado é incorporada a este novo self, pós-luto. Assim, uma parte do self inclui espaço para uma relação contínua com o morto. Trata-se de fazer a transição entre amar as pessoas que estão presentes para amá-las em sua ausência.

Desta maneira, viver o luto significa:

  • Aceitar a realidade da perda
  • Enfrentar as emoções do pesar
  • Adaptar-se à vida sem a pessoa
  • Encontrar maneiras adequadas para lembrar o falecido
  • Reconstruir a fé e os sistemas filosóficos abalados pela perda
  • Reconstruir a identidade e a vida

Ainda nesta vertente, porém com um olhar mais voltado para o lugar que o luto ocupa nos cuidados paliativos, podemos entender os diversos fatores que compõem o fenômeno, como nos apontam os autores Bowers; Jackson; Knight e LeShan (1994); Parkes, Relf e Couldrick (1996); Dunlop e Hockley (1990); Sutcliffe, Tufnell e Cornish (1998); Dunlop e Hockley (1990); Lair (1996).

Fatores psicológicos:

  • A natureza e o significado únicos relacionados à perda específica.
  • As qualidades individuais da relação que se finda.
  • O papel que a pessoa à morte ocupa no sistema familiar ou social.
  • Os recursos de enfrentamento do enlutado, junto com sua personalidade e condições de saúde mental.
  • Experiências prévias com morte e perdas.
  • Os fundamentos sociais, culturais, éticos, religiosos e espirituais do enlutado.
  • Idade do enlutado e da pessoa à morte
  • Questões não-resolvidas entre a pessoa à morte e o enlutado.
  • A percepção individual sobre quanto foi realizado em vida.
  • Circunstâncias da terminalidade.
  • Percepção de senso de controle
  • Perdas secundárias

Fatores sociais:

  • Isolamento
  • Dificuldade de estabelecer e manter relações significativas
  • Nova identidade social

Fatores fisiológicos:

  • Controle de sintomas
  • Alimentação
  • Descanso e sono
  • Autonomia
  • Qualidade de vida geral

Fatores espirituais:

  • Relação espiritualidade e luto
  • Questionamento do sistema de crenças prévio: parte do processo do luto

Luto antecipatório é entendido também como um processo de construção de significado. O conceito de luto antecipatório apresenta a possibilidade de elaboração do luto, a partir do processo de adoecimento. Segundo Rando (1997), permite absorver a realidade da perda gradualmente, ao longo do tempo; resolver questões pendentes com a pessoa doente (expressar sentimentos, perdoar e ser perdoado); iniciar mudanças de concepção sobre vida e identidade; fazer planos para o futuro de maneira que não sejam sentidos como traição ao doente.

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O processo de luto tem início, portanto, a partir do momento em que é recebido o diagnóstico de uma doença fatal ou potencialmente fatal, pelas perdas, concretas ou simbólicas, que esse diagnóstico traga para a pessoa e sua família. As perdas decorrentes estão relacionadas a: segurança, funções físicas, imagem corporal, força e poder, independência, autoestima, respeito dos outros, perspectiva de futuro (Fonseca, 2004).

A família do paciente também se envolve nesse processo, vivenciando-o de maneira específica. Numa tentativa de organização dessa experiência, podemos localizar as seguintes fases, do ponto de vista da família: crise, crônica e final. A fase de crise inicia-se antes do diagnóstico, quando a família tem alguma percepção ou interpreta sintomas como risco e une-se para lidar com os sintomas e sistemas médicos. Naturalmente, as interpretações que a família faz sobre sintomas e sinais está fundamentada em seu sistema de crenças e modo de funcionamento.

A fase crônica traz o desafio de viver uma vida normal, em condições anormais. Surgem crises agudas, que levam paciente e família a aceitar mudanças decorrentes de exacerbações e crises agudas. Lamentam a perda da identidade pré-doença e a família mais informada tenta equilibrar necessidades de cuidados com outras necessidades da família.

Na fase final da doença, quando a inevitabilidade da morte está clara, o que se encontra é:

  • Para a família: dificuldade em lidar com a separação e o luto
  • Ter mais oportunidade para resolver questões não resolvidas
  • Ajudar o paciente a expressar preocupações e desejos
  • Despedir-se
  • O ajustamento emocional da família à doença faz uso de algumas estratégias de controle, como: confiança em controle preditivo (expectativas positivas); controle vicariante (atribuir poder ao setting médico); controle ilusório (sorte e desejo); controle interpretativo (adquirir conhecimento)
  • A existência de um cuidador na família chama a atenção para suas necessidades específicas, relativas a: a saúde desse cuidador; questões de gênero na predição de vulnerabilidade a sofrimento psicológico; vínculo conjugal, sexualidade: programas educativos e terapêuticos

No enfrentamento da doença e do luto antecipatório pela família, há fatores facilitadores e fatores complicadores.

Os fatores facilitadores são:

  • Estrutura familiar flexível que permita reajuste de papéis
  • Boa comunicação com a equipe profissional e entre os membros da família
  • Conhecimento dos sintomas e ciclo da doença
  • Participação nas diferentes fases, para obter senso de controle
  • Sistemas de apoio informal e formal disponíveis

Os fatores complicadores são:

  • Padrões disfuncionais de relacionamento, interação, comunicação e solução de problemas
  • Sistemas de suporte formal e informal não existentes ou ineficientes
  • Outras crises familiares simultâneas à doença
  • Falta de recursos econômicos e sociais. Cuidados médicos de pouca qualidade e dificuldades na comunicação com a equipe médica
  • Doenças estigmatizantes, pouca assistência

Alguns fatores são preponderantes, na fase próxima à morte:

  • Compreender o processo da morte
  • Lidar com cuidadores e instituições
  • Reestruturar emocionalmente as relações com a pessoa à morte
  • Utilizar eficazmente os recursos disponíveis
  • Lidar com as próprias emoções e o luto
  • Compreender as necessidades da pessoa à morte
  • Continuar se relacionando com a pessoa à morte, mantendo-a incorporada ao sistema familiar
  • Planejar-se para a continuidade da vida familiar
  • Buscar significado na morte

O profissional que trabalha com pacientes à morte apresenta suas necessidades também, principalmente quanto à sensibilidade:

  • Pela pessoa total
  • Para problemas de dor e desconforto
  • Para buscar comunicação honesta e aberta
  • Pela autonomia e necessidades do indivíduo
  • Pelas diferenças culturais
  • Pelos objetivos – pelas famílias
  • Pelos diferentes grupos etários e étnicos
  • Pelo próprio self

Uma forte tendência atual, diante dessa diversidade, busca a postura de reaprender o mundo, por meio de construir e encontrar significados para o luto. Isto representa, sem dúvida, uma mudança de paradigma: de um padrão genérico, normativo – medicalização – para a subjetividade – experiência psicológica. Não se levam em conta fases previstas para o processo de luto que, embora continue sendo um processo, é vivido como algo único, assim como foi única a relação rompida que o precedeu.  É um processo que permite revisões na identidade, nas relações sociais, nas relações com o morto e no sistema de crenças (Neimeyer, 2001).

Cabe agora trazer para o cenário a experiência da família com o luto, em especial para que se possa abordar a riqueza de possibilidades contidas no processo de construção de significado, pela família.

Significado é aqui definido como as representações cognitivas, mantidas na mente de cada membro familiar, mas construídas interativamente dentro da família, ao mesmo tempo em que são influenciadas pela sociedade, cultura e período histórico (Shapiro, 1994).

A família faz uso de fatores estimuladores e inibidores nesse processo de construção de significado. Os fatores estimuladores são aqueles que promovem a construção de significado da família, incluem rituais familiares, efeitos na família estendida, tolerância pelas diferenças, qualidade e frequência das interações. Os fatores inibidores, por sua vez, impedem o processo, incluem regras familiares que proíbem conversar sobre assuntos delicados, proteção e aspectos da dinâmica familiar, como exclusão de membros.

As famílias fazem uso de estratégias, que são os meios ou métodos pelos quais elas constroem o significado da perda, incluindo comparações, caracterizações, questionamentos, referências, discordâncias. Entre os possíveis significados, têm destaque a possibilidade de nem todos os significados serem positivos; a morte pode ser entendida como um teste, modelo para outros, veio para unir a família, teve causa genética (a família entende-se impotente diante do fato), o morto não está em lugar algum ou está no céu, cuidando dos outros, o morto queria morrer. O significado mais difícil se dá para “a morte poderia ter sido evitada”. Há famílias que buscam significado naquilo que a morte não foi (Nadeau, 1998).

Algumas outras categorias de significados são:

  • O que a morte não foi
  • ”Não faz sentido”, ou seja: o significado não significa uma compreensão
  • Morte injusta (coisas ruins acontecendo às pessoas boas; morreu a pessoa errada; muito cedo/tarde)
  • Significados filosóficos (fatalidade, propósito da morte)
  • Vida após a morte (existe/ não existe)
  • Significados religiosos (revelação, reunião, recompensa; um teste; causada por Deus)
  • Natureza da morte (evitável pelo morto/família/sistema de saúde; causa biológica; momento da morte; morte antes da morte)
  • Atitude do morto em relação à morte (não queria morrer, estava pronto para morrer, desejava, sabia, foi como queria)
  • Como a morte mudou a família
  • Lições aprendidas, verdades vividas (não ter certezas, estabelecer prioridades, viver a vida/momento)

Quanto ao aspecto da espiritualidade no luto, cabe destacar que as crenças espirituais influem na maneira de enfrentar adversidades e podem mesmo ser fortalecidas porque não há outra fonte de controle ou resposta racional.

Há outras maneiras de identificar o processo:

  • Família que compartilha: desejo dos membros em conversar entre si sobre a morte. Significa desejo/relutância em compartilhar e condições necessárias para o compartilhamento
  • Família que compartilha significados: necessidade de que outros queiram ouvir e que tenham o que compartilhar; que não seja necessário falar sobre coisas muito perturbadoras; sentem-se melhor falando (bem) de quem morreu e não da morte
  • Consenso familiar: consenso puro (100%) raramente é encontrado; membros da família pressionam os demais para que pensem como eles; diferenças de significado afetam consistentemente a família

Considerando-se que o luto coloca o indivíduo em situação de vulnerabilidade e estendendo-se esse risco para o funcionamento familiar, é possível delinear-se, de acordo com Walsh e McGoldrick (1995) os objetivos para cuidar da família enlutada.

  • Obter e compartilhar o reconhecimento da realidade da morte
  • Compartilhar a perda e colocá-la em contexto
  • Reorganizar o sistema familiar

Estas considerações trazem uma preocupação, no que diz respeito aos cuidados na formação do profissional que trabalha com luto.  Como luto não é doença, nem todo enlutado precisa de psicoterapia. Consequentemente há a necessidade de desenvolver critérios adequados para essa avaliação e há a necessidade de uma avaliação cuidadosa sobre a melhor intervenção psicológica formal.

Se formos pensar em um protocolo junto a pessoas enlutadas, o 1º passo seria avaliar a necessidade, a partir da demanda da pessoa ou do grupo enlutado. Em seguida, essa necessidade seria colocada lado a lado com os recursos disponíveis da pessoa enlutada, sejam psicológicos, espirituais, socioculturais, religiosos, econômicos. Tecnicamente falando, utiliza-se psicoterapia breve, com foco no luto e possibilidade de mudança de abordagem, de acordo com o andamento do processo. Ainda assim, aspectos específicos, por se tratar de luto, são imperativos (Franco, 2002).

Para finalizar, destaca-se a necessidade de uma compreensão do luto que reconheça a revisão fundamental de nosso mundo presumido, de nosso sistema de crenças, de nossas narrativas de vida. Paralelamente, tanto para o profissional como para a pessoa enlutada, é necessário colocar esforço para entender o luto e idiossincraticamente reconstruir o mundo com significado, restaurando a coerência à narrativa de nossa vida.

Portanto, nunca será demais ressaltar que discursos sobre a morte e o luto refletem nossa ideologia que, por sua vez, busca expressão para os valores da cultura. O pesquisador e o clínico não devem subestimar o que colocam de subjetivo em sua pretensão de desenvolver uma posição objetiva. Este é um ponto altamente significativo: as representações de boa ou má morte não são questões exclusivamente psicológicas, expressas e compartilhadas por indivíduos. São maneiras de ver a morte culturalmente prescritas que servem para delinear a ordem social. O que oferecemos de cuidados à pessoa enlutada tem seu fundamento nesta proposição, mais do que na formação técnica (Bromberg, 1994).

(Publicado em: Quatro Estações Instituto de Psicologia)

Ao lermos este importante artigo escrito pela Profa. Maria Helena Franco, pudemos compreender que, o quão importante é estudarmos o processo de luto para que possamos oferecer um melhor cuidado aos nossos pacientes, principalmente os pacientes que estão vivenciando o processo de luto antecipatório.

Psic. Mestre em Cuidados Paliativos
Psic. Especialista em Perdas e Luto
Especialista em Psicologia Hospitalar
Psychotherapist Member of British Psychological Society (MBPsS/GBC)
Blog Perdas e Luto

Autora do Livro: Legado Digital: Conhecimento, Decisão e Significado – Viver, Morrer e Enlutar na Era Digital

Referências:

Artigo original publicado em: http://www.4estacoes.com/pdf/textos_saiba_mais/luto_em_cuidados_paliativos.pdf
Anderson, C. (1949) Aspects of pathological grief and mourning. International Journal of Psychoanalysis., 38, 48-55.
Bowers, M.K.; Jackson, E.N.; Knight, J.A. e LeShan, L. (1994).  Counselling the Dying. Jason Aronson Inc, Nova Jersey.
Bromberg, M. H. P. F.(1994) A Psicoterapia em situações de perdas e luto.  Editorial Psy II, Campinas.
Dunlop, R. J. e Hockley, J. M.(1990) Terminal care support teams – the hospital–hospice interface. Oxford University Press, Oxford.
Fonseca, J. P. (2004) Luto Antecipatório. Livro Pleno, Campinas.
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