A gente vai embora

“Nossa imortalidade está condicionada à nossa gentileza, à maneira como tratamos conhecidos e desconhecidos” (Irvin Yalom)

Recentemente um amigo muito querido me enviou um texto que, segundo ele, tinha tudo a ver com o meu trabalho. De fato, o texto é interessante e expressa uma verdade absoluta sobre a morte e o morrer. Considerei que o mesmo é muito pertinente para ao momento atual da nossa sociedade que está cada vez mais se distanciando da consciência de que somos finitos e que ao final da nossa existência nada levaremos. Nem a conta bancária, nem títulos, nem condecorações e nenhum bem material. Por isso, decidi compartilhar com vocês as ideias contidas no texto. Eu mantive o texto original, no entanto fiz pequenos ajustes e acrescentei algumas ideias próprias que fazem parte da minha reflexão diária na lida com a morte, as perdas e o luto.

Adaptado e inspirado no texto original – A Gente vai Embora – da autoria de Jaqueline Reinelli.

A gente vai embora e fica tudo aí, os planos a longo prazo, as tarefas de casa, as dívidas no banco e/ou as diversas aplicações financeiras, as ações na bolsa de valores, as parcelas do carro que a gente comprou só para manter o status social. A casa repleta de objetos inúteis e todas as roupas que, muitas vezes, entulham nossos armários e gavetas. Todos os sapatos que não tivemos a coragem de doar.

A gente vai embora, sem sequer guardar a comida na geladeira. Sem sequer tirar a roupa do varal. Sem sequer tirar o pó dos móveis. Sem sequer tomar banho. Sem sequer saber que aquela seria a última refeição do dia – da vida.

A gente vai embora, virá pó, se desintegra e toda a importância que pensávamos que tínhamos simplesmente evapora. A vida de quem ficou continua e as pessoas continuam seguindo com suas rotinas. Às vezes, elas demoram um pouco para assimilarem e processarem a morte do ente querido, mas de alguma forma elas seguem e retomam os afazeres do cotidiano. A vida continua…

A gente vai embora e todas as brigas, as grosserias, a impaciência, a infidelidade, as mágoas, as birras, os rancores, as divergências de opinião, serviram apenas para nos afastar, temporária ou definitivamente, daqueles que nos traziam alegria e amor. Serviram apenas para nos roubar momentos preciosos de convivência com quem queríamos ter ao lado durante o viver.

A gente vai embora e todos os problemas que achávamos que tínhamos se transformam em nada, num imenso vazio. Já não há mais problemas! Os problemas moram dentro de nós. As coisas têm a energia que colocamos nelas e exercem em nós a influência que nós permitimos.

A gente vai embora e o mundo continua, como se a nossa presença ou ausência não fizesse a menor diferença. Ela só faz diferença para aqueles que de fato nos amaram. Somos pequenos, porém, prepotentes. Vivemos nos esquecendo de que a morte anda sempre à espreita. Ela está lá em qualquer esquina.

Em um piscar, a vida se vai…quando a gente vai embora, as coisas que sequer emprestávamos são doadas. Algumas, jogadas fora. Somos substituídos no cargo que ocupávamos na empresa. O animal de estimação é doado e se apega aos novos donos. Os viúvos e viúvas se casam novamente, fazem sexo, andam de mãos dadas e vão ao cinema com seus novos amores. Todas as coisas que julgávamos importantes, talvez, não terão a mesma importância para outra pessoa.

Viver é uma dádiva. Envelhecer é um presente. Morrer é uma certeza. Quando menos se espera, a gente vai embora. Aliás, quem tem consciência da morte?

Se a gente tivesse a consciência plena de que somos mortais, talvez, a gente vivesse melhor. Talvez, a gente colocasse a melhor roupa hoje, fizesse amor hoje. Talvez, a gente comesse a sobremesa antes do almoço. Talvez, a gente usasse os melhores talheres que há muito tempo estão guardados. Talvez, tomássemos o vinho e/ou o licor reservados para uma ocasião especial.

Se a gente tivesse a consciência da morte, talvez a gente perdoasse mais, risse mais, saísse à tarde para ver o mar e se deliciasse com o pôr do sol. Talvez, a gente fosse mais gentil para com as dores do outro e mais humildes. Talvez, a gente quisesse mais tempo e menos dinheiro. Talvez, a gente esperasse menos dos outros. Talvez,  a gente entendesse que não vale a pena se entristecer com as coisas banais, com insignificâncias. Talvez, ouvíssemos mais música e dançássemos mesmo sem saber, apenas para fazer sorrir a nossa alma.

O tempo voa! A partir do momento que a gente nasce, começa a viagem veloz com destino ao fim – e ainda há os que vivem com pressa! Sem levar em conta que cada dia a mais é um dia a menos, porque nós estamos indo embora o tempo todo, aos poucos e um pouco mais a cada segundo que passa.

Aproveitemos o tempo que nos resta. Aliás, o que você está fazendo com o pouco tempo que te resta?

Afinal, a gente vai embora. Todos nós, sem exceção, vamos embora

Por isso, viva plenamente sua vida, enquanto estiver vivo. E não se esqueça – a gente vai embora…

Psic. Mestre em Cuidados Paliativos (M.Sc.)
Psic. Especialista em Perdas e Luto
Especialista em Psicologia Hospitalar
Psychotherapist Member of British Psychological Society (GMBPsS)
Blog Perdas e Luto (Instagram)

Livro à VendaAutora do Livro: Legado Digital: Conhecimento, Decisão e Significado – Viver, Morrer e Enlutar na Era Digital

Referências:

Cursino, Sérgio. A Gente vai Embora. Texto: Jaqueline Reinelli. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=M_Kk8veCbf4

Idalina, Cácia. A gente vai embora. Fevereiro, 2019. Disponível em: http://caciaidalina.blogspot.com/2019/02/a-gente-vai-embora.html

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