E agora, o que faço com os pertences do meu ente querido (?)

“A dor é suportável quando conseguimos acreditar que ela terá um fim e não quando fingimos que ela não existe” (Allá Bozarth-Campbell)

Eu penso que uma das tarefas mais árduas da vida é, sem dúvida, assimilar a morte de uma pessoa querida. Inevitavelmente, em algum momento iremos nos deparar com a seguinte questão: O que fazer com tudo aquilo que pertenceu a alguém que era muito amado? Para muitas pessoas, o momento de esvaziar o guarda-roupa significa encarar a dura realidade de que aquele ente querido não irá mais voltar. É o momento da constatação da perda. Há uma sensação de vazio. Parece que nada ou ninguém será capaz de preencher.

Certa vez ouvi de uma paciente: “O que eu faço com os pertences do meu filho? As roupas, os livros, a bicicleta que ele simplesmente amava, a coleção de bonés, enfim, o que eu faço com as coisas que ele gostava? Gostaria muito de doar tudo para quem precise, mas não consigo. Quero ficar com tudo para sempre. ” Fazia 5 anos que seu filho havia morrido, num drástico acidente, quando esta paciente tomou a decisão de iniciar um processo psicoterapêutico para auxiliá-la no processo de elaboração do luto.

Primeiramente, precisamos acolher esta pessoa em seu processo de luto e validar estas questões, pois são de extrema importância e causam muita angústia e tristeza. No setting terapêutico é permitido chorar o quanto for necessário, e se revoltar também, pois estes sentimentos fazem parte da elaboração do luto e precisam ser expressados. Após esta fase, observo que o paciente começa a enfrentar aos poucos sua nova realidade cotidiana e, a partir deste momento, ele começa a se reestruturar e dá início a um novo capítulo da sua história.

Contudo, cada pessoa tem seu tempo e não podemos ter pressa num processo de luto. Conforme ela vai assimilando a perda, ela começa a se sentir confortável para lidar e se desfazer dos pertences dos quais a pessoa querida gostava. Porém, gosto de enfatizar que este processo é uma experiência pessoal e única para cada indivíduo, não existindo, portanto, uma sequência a ser seguida.

Post_Crochê Mamãe

No meu trabalho clínico com enlutados tenho, por hábito, criar juntamente com o paciente uma caixa de memórias a qual nós damos o nome de “Caixa da Memória”. De acordo com o tempo do paciente, peço que ele comece a separar aquilo que ele considera mais precioso e que gostaria muito de guardar. Após ele ter feito esta separação, peço que ele compre uma caixa – a que ele desejar – e que tenha em mente que será ali que ele colocará os pertences escolhidos. Fazemos uma etiqueta com o nome da pessoa que morreu e a colocamos na tampa da caixa. Assim, ele poderá rever os objetos no momento que desejar.

A paciente acima citada após um ano em psicoterapia conseguiu criar a “caixa da memória” de seu filho e colocou em sua caixa – um moletom que o filho amava, alguns CDs, um boné e muitas, muitas fotos. No dia em que fizemos a etiqueta com o nome de seu filho ela me disse: “estou bem e acredito que já consigo olhar para a vida novamente, acho que ainda vou chorar muito, mas eu sei que agora já consigo”.

Com certeza, a pessoa que morreu jamais será esquecida e as boas lembranças permanecerão para sempre, mas agora ela pertence a uma outra dimensão. Eu percebo que o paciente está caminhando para elaboração do luto quando ele “morre” para a condição de “ter” dores e renasce para a condição de “ser” com as dores da existência humana. Ele percebe que a vida segue e que, como escreveu Adélia Prado, “aquilo que a memória amou fica eterno”.

Design sem nome

Psic. Mestre em Cuidados Paliativos
Psic. Especialista em Perdas e Luto
Especialista em Psicologia Hospitalar
Psychotherapist Member of British Psychological Society (MBPsS/GBC)
Blog Perdas e Luto

Autora do Livro: Legado Digital: Conhecimento, Decisão e Significado – Viver, Morrer e Enlutar na Era Digital

19 comentários sobre “E agora, o que faço com os pertences do meu ente querido (?)

  1. Dia 17 faz dois meses q meu bb faleceu e ate agora o guarda roupa esta arrumado tudo do mesmo jeito nao consigo doar as coisinhas q comprei com todo carinho pra ele sera q e o caso de procurar ajyda ?

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    • Cara Mara, a morte do seu bebê ainda é muito recente e provavelmente você ainda necessite um pouco mais de tempo para assimilar esta perda. Não tenha pressa, porém o importante é você poder expressar a sua dor quando e da maneira que quiser.
      Caso você perceba que está muito difícil elaborar esta perda, então, o aconselhável é buscar ajuda de um profissional qualificado para este trabalho.
      Abs, Nazaré Jacobucci

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    • Cara Ghislaine, a morte de sua mãe ainda é recente e provavelmente você ainda necessite um pouco mais de tempo para processar esta perda tão significativa. Não saberia te responder, pois a sua pergunta envolve crenças e isto depende de qual fé você professa. Não tenha pressa, porém o importante é você poder expressar a sua dor quando e da maneira que quiser.
      Abs, Nazaré Jacobucci

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  2. Faz dois anos e oito meses que minha mãe foi embora, de uma hora pra outra, não estava doente e nada, 25/12/10, acabou, parece que o mundo desabou, não consigo é muito difícil, já tentei doar as coisas dela, que ela guardava e cuidava com tanto zelo, ninguém vai cuidar como ela e ainda não consegui, parece que se tudo dela ficar ali, ela ainda estará aqui.

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  3. Eu predi a minha filha à quase dois anos tinha 6meses foi muito difícil e ainda não está a ser fácil mas eu guardo tudo o que lhe prentence comprei uma caixa e tenho tudo o que era dela .Todas as semanas tenho que ir ao semiterio senão ando bem . Tem sido muito difícil

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  4. Perdi meu amorzinho , meu marido , estavamos juntos 4 anos , ele foi diagnosticado com cancer 18 de julho e faleceu 28 de outubro , eu nao consigo aceitar, ainda não me desfiz das coisas dele , doi saber que ele não vai mais voltar,…o que eu faço pode me ajudar, por favor.

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  5. Perdi uma pessoa muito querida, não quero me desfazer das fotos, devo cooloca-las na minha estante ou isso me deixaria mais triste?
    Sinto que se eu me desfazer de tudo, não estaria sendo justa com a pessoa.

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    • Olá Débora! Sinto muito por sua perda, meus sentimentos. Primeiramente, você precisa pensar no faz sentido para você neste momento. Ter um porta retrato com uma foto bacana da pessoa querida que morreu não é motivo para tristeza. As fotos, geralmente nos remete a momentos felizes, certo?
      Agora, é sempre interessante durante o processo de luto ir nos desapegando de coisas que não fazem sentido e nos remete a um estado de melancolia. Abs, Nazaré Jacobucci

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  6. Amanhã completa 90 dias que perdi o meu único filho, aos 26 anos, por COVID. Ele tinha paralisia cerebral, vivia restrito ao leito, usava maca, cadeira de rodas, banheira especial, cama hospitalar, fraldas, …
    Não sei se fiz certo, mas doei todas as coisas dele na primeira semana após o seu falecimento, doei para 2 crianças que conheci no posto de saúde que eu trabalho e que são como ele, mas não tinham a mesma condição. Senti que era ele fazendo o bem para outras pessoas, era como se ele continuasse existindo. Ele era puro amor! Guardei umas fraldinhas de boca bordadas com o nome dele, que uso como “lenço” para as minhas lágrimas, umas roupas que me serviam, é só. Mas conheço outras mães que mantém o quarto do mesmo jeito que o filho deixou, assim como todas as suas coisas… então me sinto estranha por ter agido assim…

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    • Olá, Lenise! Sinto muito por sua perda, meus sentimentos. O que você fez foi um ato de amor ao próximo e de uma grandeza indizível, muito bacana. O ideal é que de fato nós possamos doar os pertences de nossos entes queridos e deixarmos apenas pequenas coisas como recordação. Agora seu filho mora em sua memória e no seu coração e isso é o mais importante. Abs, Nazaré Jacobucci

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